Há quanto tempo fazia que não ia a uma festa? Anos, certamente. O mundo havia passado por um período de retração social, cataclismo sanitário e medo, contudo as coisas começavam a se organizar e o que ocorreu ficou no passado.
Então era outro momento: uma festa. Ela cumprimentaria algumas pessoas, falaria com outras, interagiria com várias. Era o retorno.
Alice, sempre atenta para não cair nos buracos da vida, entrou na casa de Jonas e lá estavam vários de seus amigos e uma boa quantidade de gente que ela não conhecia.
As socializações, beberagens, amenidades, e sorrisos se iniciaram. Apesar da aparente liberdade que demonstrava, Alice se sentia um pouco acuada com o ritmo da música, o tema das conversas e os olhares de julgamento.
Ela tinha plena consciência de que tudo aquilo era pura invenção de sua cabeça. Ninguém a estava julgando – apenas se divertiam -, mas ela era Alice e sempre buscava uma pequena sabotagem de si mesma.
Todavia, apesar de querer sofrer, ela não conseguia! Estava feliz, e havia apenas uma coisa que estava fora do lugar, em sua cabeça, faltava um pouco de diversão lúdica.
Ela conhecia bem quatro das pessoas ali, bons amigos que estavam conversando com pessoas. Conhecia também o dono da festa, um querido, mas as outras pessoas a assustavam. Certamente mais uma forma de se punir por estar em uma festa e se divertindo.
O problema é que em todo o tempo ela colocava a mão dentro da bolsa e acariciava, quase que ternamente, uma pequena caixa de papelão, com o carismático, forte e brega nome de Werewolf.
Para Alice, Werewolf era um “party game” e ela estava numa festa, as pessoas deveriam querer jogar! Mas ela não teria coragem de anunciar algo tão obviamente nerd no meio de todas aquelas pessoas.
O coração de Alice bateu mais forte. Sua respiração ficou ofegante, uma pontada de ansiedade correu por seu corpo. Um dos amigos de Jonas abaixou um pouco a música do ambiente e perguntou sonoramente – por nenhuma razão a mais do que estar um pouco alto pela bebida – se não havia algo diferente para fazerem.
Todos riram, brincaram e reclamaram do rapaz, e então todos ficaram em silêncio. Era um silêncio estranho encapsulado de estranheza e dúvida.
Todos olharam em direção a Alice que, sem pensar muito quando o rapaz perguntou o que poderiam fazer, retirou a caixa de Werewolf da bolsa e a elevou acima da cabeça.
O que ela fez? Por quê se expôs tanto? O que ela pensou que aconteceria, que todos simplesmente iriam querer jogar algo no meio de uma festa? Houve alguns risinhos constrangidos e isso fez com que Alice murchasse.
A vergonha a corroía e ela quase não teve consciência suficiente para abaixar o braço. Por muito pouco, lágrimas não vieram aos seus olhos, mas a respiração embargou.
A caixa foi aos poucos sendo colocada na bolsa e Alice voltava ao afastamento social no qual ficou por dois anos.
Foi aí que Jonas olhou sorridente e disse:
— Eu conheço esse jogo! Nós jogamos ele na faculdade, não foi?”
— Sim. Jogamos. — respondeu Alice, sem graça e sem muita vontade, já preparada para ir embora.
— Pois então vamos jogar! Gosto muito. Você ensina as regras? Quem não quiser jogar, é só continuar bebendo e curtindo a festa. — Jonas pegou a caixa da mão de Alice, tirou as cartas e entregou a ela, para que explicasse tudo.
Alice saiu do buraco que se colocou, sorriu ainda envergonhada, pegou as cartas e explicou as regras. Era um mundo pós pandemia e as pessoas buscavam se divertir.
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