– Flávio, você tem jogos demais! Pelo amor dos Meeples! Eu juro que vou embora se você não se livrar dessas pilhas de jogos espalhadas no quarto. Eu te amo, gosto de jogar, mas tem jogos fechados há mais de 3 anos aqui! Venda!
Esse tinha sido o ultimato. Era claro que ela não iria embora de verdade, Flávio e Júlia se davam bem demais. Dinheiro não era exatamente um problema, apesar de que espaço era.
Flávio ficou um pouco atônito com as palavras duras e paulatinamente assimilou a verdadeira mensagem “se livre dos jogos lacrados”. Doeu? Certamente. Ela estava errada? Não.
Foi um golpe forte, e ele precisava disso. Falou com Júlia, entre uns carinhos e outros, tentando amenizar a situação.
– Vou organizar uma lista com os jogos a serem vendidos.
Júlia ficou satisfeita com a notícia e completou.
– Quando você vender esses jogos, vai abrir espaço nas prateleiras. Mas é para colocar as dezenas de jogos que estão no chão na estante. Entendeu?
Flávio não ficou exatamente animado com a nova premissa de “nada de caixas no chão”, entretanto mais uma vez tentou olhar pelos olhos de Júlia e sentir um pouco de empatia. Mas apesar do sofrimento interno, ainda pensou, “Se as caixas de jogos saírem do chão, dará para ver muito melhor os jogos nas estantes.”
Com os olhos marejados se levantou do sofá.
– Por Knizia, Júlia, eu sou um monstro, um doente, um acumulador! – Flávio começou uma pequena e bem pensada ladainha, apenas para chamar a atenção dela.
– Amo seus momentos dramáticos, meu monstrinho acumulador, só que eu realmente acho que está na hora de desapegar, principalmente daqueles ali. – ela apontava para umas pilhas de caixas de quase um metro de altura.
Flávio acompanhou o pensamento, respirou fundo, suspirou, deu de ombros e completou – E será por essa pilha que começarei. Agora me deixe sofrer aqui em silêncio.
Júlia apenas sorriu por conta do drama de Flávio e saiu.
– Pois então, vou anotar aqui o que vou vender. Bem, posso fazer uma lista inicial e depois adicionar um ou outro ou então remover algum. Poxa é difícil! – sua face estava consternada. Ele pegou o celular, abriu um bloco de notas e começou a anotar.
Cthulhu Wars – jogo base KS + 27 expansões – LACRADO
– Por que eu não joguei esse? Ah, todo mundo quer jogar só que fica triste por ter dados. Por que eu deixei lacrado? Nem as regras eu li. Nem conferi. Chegou tudo junto, eram caixas demais. São tão lindas. Olha essas miniaturas, quase do tamanho de um Antigo! Esse eu não vou vender.
Massive Darkness – KS + 17 expansões – LACRADO
– Poxa, eu lembro de ter visto as regras desse jogo e ler os pdf. Por que não joguei? Ah, lembrei. Estávamos numa campanha de Gloomhaven e quando paramos já havia saído a segunda edição do Massive, aí fomos jogar outras coisas. Não posso vender ele porque gastei muito dinheiro e como tem a segunda edição, não vou conseguir nem o risco do que paguei.
Scythe – +32 expansões + insert bucaneiros + sleeves especiais – LACRADO
– Poxa, esse Stegmaier é bom demais. Olha só esse lindo desenho. Esses mechs da primeira guerra com essa paisagem bucólica polonesa. Deve ser um jogo de guerra muito bom. Vou vender não. Gosto muito de jogos de guerra.
Mansion of Madness – 9 expansões – LACRADO
– Que maravilha! Jogão! Lembro de ter jogado a cópia do Rafael. Gostei muito. Vou vender não. Certamente vou jogar logo.
Pathfinder – +34 expansões + sleeves + organizador gringo + playmat em neoprene + livro de RPG – LACRADO
– Eita, nem lembrava que tinha comprado esse. Vou deixar aqui de lado para começar uma campanha. Júlia certamente vai gostar, ela gosta de jogos de cartas. Vou vender não.
A seleção e a avaliação dos jogos continuou por várias horas. Um por um eles foram verificados, colocados em ordem, pesados com o coração e por fim, adicionados à lista. Flávio estava satisfeito.
No final da tarde Júlia voltou para o quarto, com um suco e um gostoso sanduíche para amenizar o sofrimento do esposo. Ela observou o quarto e percebeu que os jogos agora estavam em posições diferentes, e pensou – “Ótimo, com certeza ele já separou os jogos a serem vendidos, fez uma boa lista e finalmente vários ali vão sumir do quarto.” Ela então olhou para Flávio e o inquiriu.
– Já terminou a lista?
– Já sim. Foi exaustivo, mas terminei.
– Posso ver?
– Não.
– Não? Não por que?
– É que… Não pode.
– FLÁVIO! MOSTRE ESSA LISTA AGORA!
Ele estendeu a mão com o celular e o bloco de notas aberto. Júlia pegou o aparelho, olhou as anotações e se seu coração não estivesse em dia, não haveria dúvidas de que um ataque cardíaco a acometeria naquele instante.
Flávio observou que as veias na testa de Júlia estavam dilatadas. Nervoso apenas tentou sorrir.
– VOCÊ COLOCOU NA LISTA APENAS CATAN E UBONGO? APENAS DOIS JOGOS? E LOGO OS ÚNICOS QUE MAMÃE JOGA?
– Júlia, você tem que entender, temos que nos livrar de alguns jogos e se você não se desapegar, nunca vamos ver esse quarto arrumado!
Deixe um comentário